Ana Pinto
Como é estar Livre de Festividades?
Para muitos o fim do ano representa convívio e comemorações. Existe o desejo e gosto genuíno por se reunirem com as pessoas que mais amam, e festejar. O fim de mais um ano com muitas histórias para serem contadas e ouvidas. Para outros o fim do ano representa o momento certo para se retirarem de cena e ficarem mais consigo próprios. Existe um desejo pela tranquilidade para poderem refletir sobre o fim de mais um ano, e procurarem por fim alguma quietude interior.
Ambas as escolhas são dignas e bonitas de qualquer ser humano, que se permita e queira genuinamente isso para si.
A Minha Experiência
Foi há três anos que me surgiu pela primeira vez a vontade de estar apenas comigo própria pela altura das festividades. Foi ao mesmo tempo que comecei a viajar sozinha, então tudo se juntou numa combinação de descoberta. Saí de casa no dia 25 Dezembro 2018 e fui fazer o que mais amo: Caminhos Pedestres para a Natureza. Neste caso, para a Serra da Estrela.
Esta viagem mudou muito a minha vida na altura, pois foi um momento em que me pude sentir livre da obrigação que as festividades me faziam sentir: De estar tudo perfeito à mesa, debaixo da árvore de natal, nas conversas. De todo o trabalho, ansiedade e excessos. E da incrível necessidade de tudo ter de parecer bem e em harmonia. E infelizmente não é por ser Natal ou Fim de Ano que as coisas se resolvem ou ficam obrigatoriamente bem.
É necessário respeitar o que sentimos a cada momento, sem reprimir tendo em conta a altura do ano. E eu sentia muito isso a acontecer na minha vida. Tinha começado a fazer terapia e claramente ainda me faltava um longo caminho pela frente. E fazer esta viagem foi como um acordar para a vida, e entender que todo o poder de escolha era inteiramente minha!
Custou-me muito tomar a decisão de ir. Tinha muitos medos e muitas vezes o discurso à minha volta também me fazia ter receio de avançar. Mas fui... e foi maravilhoso! Conheci e conversei com pessoas novas todos os dias. Aventurei-me de uma forma que jamais o tinha feito antes. E descobri a beleza que o silêncio carrega.
“Eu tenho vontade de ir, mas não sei por onde começar.”
Então como podemos sair da nossa zona de conforto e embarcarmos nesta aventura de estarmos por nossa conta?
Fazermos pela nossa decisão ser respeitada.
Nem sempre é fácil as pessoas que nos são próximas entenderem a necessidade que podemos ter em estarmos sozinhos. E se nunca fizeste algo assim, vai ser uma parte bem desafiante. Por isso é tão importante a comunicação assertiva. É importante saber explicar porque o queremos fazer, e é importante sabermos escutar a palavra dos outros, aproveitando toda a informação que possa ser útil para a nossa viagem.
Entender que ter medo é normal.
Ainda hoje a primeira pergunta que me fazem quando comunico que vou sair para estar sozinha é: “Mas tu não tens medo?” ou “Se não tens medo fazes bem em ir”.
Sim, tenho medo. E foi o medo que quase me impediu de dar muitos saltos na minha vida. Mas foi graças a todas essas experiências que fui ganhando consciência de que o medo existirá sempre em nós. Tudo depende de como o encaramos.
Nem todas as pessoas vêm por bem. Sabermo-nos proteger é fundamental.
Em algumas viagens que fiz tive momentos em que, de alguma forma, as pessoas tentaram exceder os limites do bom-senso. Felizmente essa tendência tem vindo a diminuir ao longo dos anos, pois tive uma grande lição: “Nem todas as pessoas vêm por bem. Cada um dá aquilo que tem no coração”. Então é muito importante termos consciência de que é assim mesmo.
Ir sem um plano é o melhor remédio. É o primeiro passo para deixarmos de querer controlar tudo à nossa volta.
Esta é a verdadeira transformação! E como eu me recordo de todos os planos que muitas vezes fazia para as férias, que depois se tornavam cansativas e exigentes.
Hoje levo comigo algumas ideias, mas deixo sempre a mente livre de expetativas.
Este ano por exemplo, levei o meu computador (caso quisesse trabalhar), livros, caderno para escrever e filmes. A verdade é que acabei por não usufruir de algumas coisas que levei comigo. Então opto sempre por levar possibilidades mas sem obrigações.
No fundo todos os nossos receios e dúvidas surgem sempre no “pré-aventura”. E esta foi a forma que encontrei de vos dizer que tudo isso é normal, ainda que o façamos por muitos anos.
O fascinante de tudo isto é que no dia em que colocamos o pé fora de casa, todos esses medos se desvanecem. E sentimo-nos profundamente livres, em paz e com a responsabilidade de fazermos o melhor possível por nós e pela nossa viagem!
(Fim do ano de 2021)